sexta-feira, 27 de março de 2015

NOME DE BATISMO


Em direção ao trabalho, uma mulher grávida, seleciona mentalmente nome de batismo para o bebê. Em caso de menina, denominações de época, Glória, Lucia, Celina, Lourdes, Márcia e Dalila.  Segue em busca de nomes de menor preferência Eugênia, Consuelo, Custódia, Clementina. Escuta sugestões. Composto seria mais indicado e melhor arranjo, Maria. 
Legal! Maria Eugênia, mas muito presunçoso. Eu-gênia, sabe-tudo, sábia, tem lâmpada mágica. Não queria provocar antipatias e imediatamente desce da arrogância. A mãe quer nome que reflita alegria plena. Bingo! Letícia. 
Os pais do bebê dialogam sobre a decisão. Ele prefere Welmar. Uniria três letras do nome dele “wel”, as outras da mulher “mar”. A criança deve ter rebelado, porque a grávida fica contrariada e rebate, não. A procura pelo nome ideal continua. Finalmente duas decisões foram compartilhadas pelo casal. Seria Letícia, caso a filha não nascesse em maio. Grandes chances! Onze meses, junho a abril, para a rebenta chegar. 
Nascendo em maio, Maria. A bolsa amniótica estourou justamente no mês de Nossa Senhora. Outro precisava compor. Que tal Lucia? Resultado final: Maria Lucia, sem acento, que significa “luz da manhã”. Chegou exatamente as 6:30. Hoje ela recusa acordar no alvorecer. 
Letícia, coitada, ficou vendo navios. Escolha de nomes é fato sério e não dá para abusar. Atualmente, brincam em família. Caso o nome da menina fosse Welmar, o irmão deveria se chamar Marwel, porque infortúnio isolado é bobagem. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

AMANTE FAVORITA


Estive em um encontro com jovens jornalistas. O bar cheio e barulhento dificultou ouvir a pessoa ao lado. Mas, depois me acostumei e fiz barulho igual. Para comer pedimos iscas de filé, caipiroska e água. Os assuntos, mais diversos. Conversamos de trabalho, filhos, comida, viagens, problemas de saúde. 
Em certo momento um jovem presente, André, foi solicitado. Queríamos entender por que quando um amigo ia ao fumódromo, ele seguia junto. Chamaram. Disse que parou de fumar há um mês. Que gosta do cheiro da fumaça. 
O prazer está nas coisas mais simples da vida. Em comer um chocolate, viajar, comprar, jogar, sexo, enamorar... e fumar. Ernesto, disse que bom é comer uma coisa doce e gordurosa, como sorvete. Sua expressão facial concluiu a satisfação. As preocupações e tensões ele alivia correndo nas vias do parque e o encanto é recuperado. 
André tem dificuldade para respirar. Já fez inúmeras cirurgias, porque nasceu com uma disfunção. Por isso necessita urgente, romper com esse prazer de sua vida. É uma decisão difícil em seu entender. Respirar ou fumar? Como paliativo aspira a fumaça solta pelo outro. Viajou em janeiro pela América Latina. Conheceu Peru, Paraguai, Bolívia e Argentina. “Não fui só. Fiz o trajeto junto com uma caixa de cigarros, minha amante favorita”. 

quarta-feira, 11 de março de 2015

BATE DENTRO DO PEITO


Um menino que gostava de escutar corações observou que um pulsava fora do ritmo e comentou “este coração bate diferente”. A mãe preocupada examinou o batuque e imediatamente providenciou encaminhamento da criança ao médico. 
Diagnóstico: prolapso da válvula mitral proveniente de febre reumática. Nada muito preocupante, mas como prevenção o médico anunciou “nenhuma atividade brusca”. Esta menina não obedeceu e seguiu brincando de pique-pega, pique-esconde, bandeirinha, pulava corda, amarelinha, subia nas árvores e andava de bicicleta. Teve vida de criança em casa e na rua. 
Todos os anos fazia exames cardíacos. Cresceu. Na adolescência era proibida de fazer educação física na escola. Solitária esperava sentada o tempo da aula passar. Até que um médico não encontrou dano no coração e liberou o exercício. Virou adulta, namorou e casou. Como a vida não é linear, um dia ela descobre que seu coração estava descompassado, novamente. Para sua surpresa, a sensação desagradável foi confirmada, retorno do prolapso. Nesta época soube que era problema congênito.  
Em ambas gestações fez acompanhamento médico. Tudo correu sem sobressaltos. Seu coração batia, mesmo não estando em perfeitas condições. Fazer exames cardiológicos fazia parte do cotidiano semestral. Aos 47 anos anunciaram “precisa, urgente, fazer cirurgia cardíaca”. A válvula mitral estava flácida. Procurou outro especialista porque acreditava na sorte. Repetiu  exames e soube que a situação não era crítica.  
A vida seguiu seu ritmo. O médico especialista em arritmia ficou de olho na evolução da velha válvula mitral. Ou será degradação? Anunciou, “agora é o momento de fazer cirurgia”. Os olhos marejaram de preocupação e medo. O médico pacientemente acalmou, “você tem excelente saúde, não há motivo para preocupação”. Ela tinha 59 anos. Para fortalecer a autoestima e tomar decisões convenientes, recorreu a psicoterapia. Esgotou o assunto e saiu fortalecida. Hoje, 11 de março, completa dois anos da intervenção. A válvula suína tem prazo de validade e precisará ser trocada. Quando? Ninguém sabe. 
A menina travessa, que também gostava de boneca, sou eu. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

MÁSCARA INDIGESTA


Há três anos marcou um exame, todavia faltou. Desta vez, ansiosa enfrentou a máscara que promete um sono tranquilo, sem apneia e roncos. Deveria passar a noite na clínica. Antes de começar o preparo, já pedia a Nossa Senhora Aparecida para retira-la dali. A santa estava em sono profundo, e quem chegou no lugar foi a técnica especialista com a temida máscara auxiliar do sono. Trouxe esparadrapo anti-alérgicos, eletrodos e vários fios para fixar no rosto da Luzia. A imagem refletida no espelho parecia de astronauta pronta para roncar em outros ares. 
A parafernália foi preparada e ela arrumada para dormir. Ficou distraída coçando o nariz e escutando o barulho do ar que escapava da máscara, para ela, indigesta. As horas arrastavam, o sono dispersava. Inquieta, Luzia orava para a santa de devoção. 
Envolvida em preces, adormeceu profundamente. Depois de três horas, inesperadamente, acorda e grita pela técnica. Enquanto isso recorda o sonho inquietante. “Fugi da clínica cheia de fios e volto para uma casa estranha. Tomada por culpa, telefono ao consultório avisando o retorno para tirar os fios da cabeça, do rosto e das pernas. Não sumi”, adverte. Atordoada mistura realidade com ficção. 
Finalmente a moça aparece e Luzia solicita a retirada da parafernália, sem concluir o exame.   O marido chegou para o resgate. “Senti alívio, liberdade e queria voar. Saí tranquila com uma certeza, máscara indigesta, jamais”.