Arquivo pessoal |
Enfim, caminho todos os dias
porque há necessidade e sigo com determinação. Escolho roupa adequada, passo
filtro solar, calço meia e tênis, posiciono óculos escuros e chapéu, completo
com brinco e batom.
Encontro sementes de árvores
caídas no chão prontas para serem pisadas e explodir. Cachorros amarrados pela coleira
perambulam com seus donos. Alguns até recolhem as fezes dos animais. Outros
deixam para lá. Andando, percebo pessoas, às vezes interrompo para conversar.
D. Izabel, uma senhora viúva
de 90 anos é magra, tem cabelo chanel
e gosta de usar vestidos longos, que diz parecer camisola. Passeia todos os
dias pela calçada adequada aos idosos. Segue
amparada pela acompanhante. Quando a encontro chama para dialogar. Um dia fui
convidada a visitar seu lar. Mostrou,
com orgulho, os aposentos da casa, fotos dos filhos e netos. É lúcida, mas não confia na memória e os
comentários que faz certifica com a cuidadora “não é isso Tereza?” Que sempre
confirma. Confidencia sobre as ex amantes do marido. Em seguida garante que, apesar
da traquinagem era um bom homem e a deixou financeiramente muito bem. Segue narrando
sobre o passado. Esteve na Europa, em Roma. Visitou o Vaticano “quando entrei
no santuário o papa pediu para eu cozinhar. Então fui”. Desta vez tem convicção
e não pergunta a Tereza. No terreno da casa há todo tipo de fruta e comunica
aos passantes que entrem para apanhar. D. Izabel é mulher solitária. Interrompe
porteiros, jardineiros e faxineiros, que estão em serviço, para ter com quem
falar. Os moradores estão na correria e precisam seguir caminho porque
trabalham. As amigas já faleceram e há
poucas pessoas com quem conviver. D. Izabel reproduz sua vida com nostalgia e vê
poucas oportunidades no amanhã.