Pirenópolis nasceu de um arraial minerador no século XVIII. É cidade do interior goiano, pitoresca e atraente, fincada aos pés da Serra dos Pireneus. Atualmente, patrimônio histórico nacional. Coloridas casas de adobo encantam visitadores. Expostas nas janelas, namoradeiras de argila com olhares traiçoeiros, seduzem passantes.
Pela sexta vez, passeio pela charmosa cidade, escutando histórias da sua gente. Desta vez, a curiosidade seguiu rumo religioso. Na Praça do Coreto, entrei em loja de artesanato e adquiri flores de fita. Depois estive em café onde abrandei a fome. Enquanto aguardava o lanche, observei particularidades da decoração. Lustres antigos de porcelana e ferro, lavatório, portas, teto, canoa de madeira pendurada na parede. Fazendo parte do arranjo, a história da capela Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida nas horas de folga dos escravos, em 1746 e 1757. Neste século os negros eram proibidos de frequentar a igreja dos brancos. Tinha uma torre, porém mais tarde, outra foi acrescentada. Erro na construção abalou a estrutura e no ano de 1944 a capela foi demolida. Preciosidades religiosas que a ornavam foram espalhadas pelas demais igrejas da cidade.
No dia seguinte visitei a igreja Matriz, Nossa Senhora do Rosário, essa destinada aos brancos. Em 2002 sofreu grande incêndio, que de acordo com a população, foi criminoso. Moradores acreditavam que os responsáveis eram mendigos revoltados. Escutei de um habitante a seguinte história: “na madrugada um carro parou na janela, que havia sido arrombada, situada na parte detrás da igreja. Peças religiosas ornadas a ouro foram recolhidas pela quadrilha especialista em roubo a santuários. Fugiram, porém para encobrir o pecado, atearam fogo na Matriz.” Noite inteira ardendo em febre. Um mês depois, mistério desvendado. Tempo suficiente para fuga e desmanche das relíquias. Paredes de barro cru em taipa de pilão resistiram à intempérie. Madeiras do telhado, danificada pelo cupim, sucumbiram à ambição. O nobre órgão tocado por gerações virou cinza. O sino derretido pelo calor do fogo é peça de exposição.
Sentimentos abafados pela perda irrecuperável foram substituídos pela restauração. Paredes foram reforçadas. Órgão, sino e altares laterais que compunham a história religiosa, insubstituíveis. Para o altar mor uma inspirada solução. Duas igrejas destruídas, na mesma cidade, com nome da santa de devoção. Dos pretos, estrutura abalada. Dos brancos pela ação do fogo. O altar da capela dos pretos, preservada. Dos brancos, fundida. Humildemente, por ironia do destino, o altar mor de rara beleza, da igreja dos pretos passou a ocupar a igreja dos brancos. Em Pirenópolis, brancos e negros, convivem em harmonia.